O sentido da promiscuidade
POR: M.V.G.
Até meus 30 e poucos anos a palavra “promiscuidade” era carregada de “sujeira”, doenças e um aspecto moral – inconscientemente religioso – que me mantinha bastante afastado do ato. Imaginar uma sauna gay me enchia desses sentidos: sujeira, doenças e imoralidade pelas referências cristãs. Porque a clareza é essa: a moralidade implícita foi apropriada pela religião católica, como a maior articuladora contra a luxúria.
No sábado, nas andanças em São Paulo com a minha amiga “Ela”, me questiona: “MVG, o que é promiscuidade hoje pra você?”.
Curioso que, ao levantar essa questão, a tensão que sentia antigamente ao ouvir essa palavra não bateu.
Respondi a Ela: “Não sei mais o que é promiscuidade. Acho que nada mais é promiscuidade – rs”.
Ela: “Acho que promiscuidade tem muito de uma convenção social mesmo”.
De fato, amigos leitores, é a nossa sociedade que ensina que promiscuidade tem um peso de sujeira, doenças, falta de moral sob um crivo religioso. E em partes a sociedade está certa em nos alertar, assim como na minha vivida e consciente década de 80 a AIDS vinha ao mundo para nos dizer sobre uma doença sem cura (que continua sem cura) e a mídia nos massacrava com campanhas e mais campanhas pelo uso de camisinha e o teste de DST’s.
Do ponto de vista prático, hoje em dia e a mim, a cautela perante a promiscuidade faz sentido – apenas – sob o aspecto da saúde. Praticar atos promíscuos é saber que existe um cuidado especial para não contrair as famosas doenças sexualmente transmissíveis.
Notando aquela molecada de 14 anos (ou menos) espalhadas pela Peixoto Gomide – e bem distantes das campanhas maciças de alerta a AIDS que rolaram nos anos 80 – não sei até que ponto existe essa clareza de que as DST’s nos provocam muito mal e boa parte são fáceis para contrair. O aspecto autoafirmativo, o tesão, a sensação de serem especiais e imbatíveis e a necessidade de nos sentir “experientes” muitas vezes nos cegam. Já fui um “aborrescente” e sei bem como é que é.
Sob o ponto de vista ainda das doenças, gostaria de fazer entender o sentido de promiscuidade: ir na sauna 269 e participar das orgias é igual a transar com um parceiro diferente a cada dia vindo pelo Hornet ou Grindr. O fato de definirmos por um parceiro “íntimo sob 4 paredes” a cada dia não nos redime e dá o mesmo sentido da pegação coletiva na sauna. Claro que nosso ego vai nos punir menos por um ou por outro, mas a rotatividade e a incidência da transmissão das DST’s é exatamente a mesma, o que configura atos promíscuos.
Só gay pode ter atitudes promíscuas? Claro que não. Embora a comparação a mim seja totalmente desnecessária, algum leitor que curte putaria pode achar que estou sendo “homofóbico” e preconceituoso com os gays. Então, existem as casas de suingue no meio heterossexual e, nada mais nada menos, que homens e mulheres heterossexuais que levam a cama suas/seus amantes, têm suas esposas/maridos e contribuem facilmente com a promiscuidade.
Todos nós que vivemos de rotatividade somos em certa medida “agentes da promiscuidade”, que no meu ponto de vista não precisa ter sexo. Basta ter beijo.
Tirando o aspecto das doenças, que a mim existe claramente, e que se deve ficar esperto, o valor moral-religioso a mim não mais pertence. As orgias são práticas recorrentes e seculares, sobre a careca do Papa e do cristianismo. Notem que cair de balada e beijar mais de um numa noite e mais outro punhado numa outra – hábito tão recorrente entre a juventude atual – nos tornam indivíduos também promíscuos. DST’s, como a herpes, são transmitidas pela boca.
E isso, minha gente, é o indivíduo (de natureza humana) exercendo a autoafirmação. A parte moralista da sociedade vem “brigando” com o indivíduo há muito, muito tempo, querendo colocar a prática de sexo sob o pecado da luxúria. E mesmo assim, o bacanal é secular e estamos totalmente abertos a beijar e transar a rodo hoje em dia. O moralismo não tem se sustentado e misturar a doença + pecado não está funcionando. Como acreditar em líderes religiosos que praticam a corrupção, vivem de políticas e interesses de poder e – de quebra – exercem a pedofilia? Todo nós, incluindo clérigos, somos corruptíveis. E corrupção não está sob o julgamento divino, mas sob a falibilidade humana que deve ser conscientizada, cada vez mais.
O “Ministério da Saúde” já advertiu que beijar e fazer sexo fazem muito bem para saúde pelas reações físico-químicas que acontecem em nosso corpo. Mas existem as DST’s que são “agentes reguladores” que vão querer nos controlar. A mim já basta a própria natureza fazer o controle. Não precisamos criar alegorias ou aceitar piamente os arquétipos, sugerindo que o “demônio” nos flerta pela voz da luxúria. É muito cômodo e fugidio acreditar que uma “entidade” externa é quem tem tal responsabilidade sobre nós. Nos tira a própria consciência e o peso de nossos atos.

A figura do demônio também foi criada para se colocar um tipo de controle sobre o indivíduo
No final, o que refina nosso senso crítico é essa relação: sexo VS. doença e não sexo VS. moralismo cristão.
E existe mais um lado, bem “jeito MVG” de pensar: há em nossa natureza também um espírito de preservação, que é individual, tanto quanto humano e – de certa forma – acima das normas sociais. Essa preservação diz respeito novamente a consciência, que é psicológica e particular (na relação do consciente VS. inconsciente): o que nos faz desejar atos promíscuos? Tenho controle disso ou deixo apenas o desejo fluir e encaro a maioria das ofertas? Meu medo é somente das DST’s ou existe uma necessidade de suprir um certo “vazio” quando não marco “pontos” no final de semana?
Quero ou não quero lidar com essas realidades de consciência e me conhecer melhor?
Lembro muito bem da conversa com um recepcionista da antiga 269: “Tem gente que entra aqui na segunda-feira e sai somente na segunda seguinte”. Tem gente que vai precisar contabilizar 2 ou 3 transas por semana e com pessoas diferentes via Grindr / Hornet. É a mesma coisa. Tem gente que vai precisar beijar 3 no sábado e mais dois no domingo. Qual é a diferença, criatura de Deus?! Ne-nhu-ma, para não virar hipocrisia.
Se a maioria de nós já se comporta assim, seja gays ou heterossexuais, a palavra promiscuidade perde o sentido. Os atos já estão socialmente absorvidos e virou padrão comportamental entre as pessoas. Está aí, quando disse a Ela que “nada mais é promíscuo”. O importante agora é saber o que fazer com isso.
Promiscuidade VS. Doenças VS. Consciência. Equação essencial. Basicamente é isso: “a sociedade oferta lugares para prazer sexual e luxúria. A moda incentiva a curtição e o frenesi entre as pessoas e sugere que assim seremos mais felizes. Mas também existem as doenças que são factuais, transmissíveis e palpáveis. Até onde você quer ir com essa história fica por sua conta e risco. Por conta e risco também das consequências de tudo isso”.
Esse pensamento não é sensato para praticamente tudo de nossas vidas?
Não vai entrar nenhum exorcista na sauna ou dentro da balada querendo chispar os “demônios” que lá se manifestam, a não ser que queira usufruir do serviço. No final e na prática, nem a igreja é responsável pelos seus atos promíscuos para ficar botando banca.
Não vai ter banho de sal grosso que vá extirpar uma gonorreia, herpes, sífilis ou até mesmo a SIDA (Síndrome de Imuno Deficiência Adquirida).
Para se aventurar (ou não) na promiscuidade vale muito menos o medo imposto pelo moralismo social e religioso. “Palavras máximas” das instituições são totalmente falíveis porque não reprimem desejos individuais para todo sempre. Vale mesmo é ter consciência, individual, de si consigo (e vale o pleonasmo). E esqueça de querer jogar a “culpa” da sua vida ser assim ou assado por causa da mãe, do pai ou do ex-namorado.
E agora José? E agora você!
BRASÍLIA- Livres para Amar
Avô militar confessa em depoimento que era super preconceituoso, até ter neto gay.
